(...)A
primeira vez que nos amamos foi na praia. O céu palpitava de estrelas e fazia
calor. Então fomos rolando e rindo até às primeiras ondas que ferviam na areia
e ali ficamos nus e abraçados na água morna como a de uma bacia. Preocupou-se
quando lhe disse que não foram sequer batizadas. Colheu a água com as mãos e
despejou na minha cabeça: “Eu te batizo, Luisiana, em nome do Padre, do Filho e
do Espírito Santo. Amem.” Pensei que ele estivesse brincando mas nunca o vi tão
grave. “Agora você se chama Luisiana”, disse beijando-me a face. Perguntei-lhe
se acreditava em Deus. “Tenho paixão por Deus”, sussurrou deitando-se de
costas, as mãos entrelaçadas debaixo da nuca, o olhar perdido no céu: “O que
mais me deixa perplexo é um céu assim como este”. Quando nos levantamos correu
até a duna onde estavam nossas roupas, tirou a fralda que cobria o saxofone e
trouxe-a delicadamente nas pontas dos dedos para me enxugar com ela. Aí pegou o
saxofone, sentou-se encaracolado e nu como um fauno menino e começou a
improvisar bem baixinho, formando com o fervilhar das ondas uma melodia terna.
Quente. Os sons cresciam tremidos como bolhas de sabão, olha esta que grande!
Olha é capaz de ficar assim nu naquela duna e tocar, tocar o mais alto que
puder até que venha a polícia? Eu perguntei. Ele me olhou sem pestanejar e foi
correndo em direção à duna e eu corria atrás e gritava e ria, ria porque ele já
tinha começado a tocar a plenos pulmões.
Minha
companheira do curso de dança casou-se com o baterista de um conjunto que
tocava numa boate, houve festa. Foi lá que o conheci. Em meio da maior
algazarra do mundo a mãe da noiva trancou-se no quarto chorando, “veja em que
meio minha filha foi cair! Só vagabundos, só cafajestes!...” Deitei-a na cama e
fui buscar um copo de agua com açúcar mas na minha ausência os convidados
descobriram o quarto e quando voltei os casais já tinham transbordado até ali,
atracando-se em almofadas pelo chão. Pulei gente e sentei-me na cama. A mulher
chorava, chorava até que aos poucos o choro foi esmorecendo e de repente parou.
Eu também tinha parado de falar e ficamos as duas muitos quietas, ouvindo a
música de um moço que eu ainda não tinha visto. Ele estava sentado na penumbra,
tocando saxofone.
A
melodia era mansa mas ao mesmo tempo tão eloquente que fiquei imersa num
sortilégio. Nunca tinha ouvido nada parecido, nunca ninguém tinha tocado um
instrumento assim. Tudo o que tinha querido dizer à mulher e não conseguira,
ele dizia agora com o saxofone: que ela não chorasse mais, tudo estava bem,
tudo estava certo quando existia o amor. Tinha Deus, ela não acreditava em
Deus? – perguntava o saxofone. E tinha a infância, aqueles sons brilhantes
falavam agora da infância, olha aí a infância!... A mulher parou de chorar e
agora era eu que chorava. Em redor, os casais ouviam num silencio fervoroso e suas
carícias foram ficando mais profundas, mais verdadeiras, porque a melodia
também falava do sexo como um fruto que amadurece ao vento e ao sol.(...)
Melhores Contos - Fagundes Telles,
LYGIA, Apenas um saxofone, Pág.26/27
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